sábado, 30 de março de 2024

De amiga que se vai e das lembranças que ficam: meu adeus a Christel




                                             Christel em Carcassone. 

Minha amiga Christel partiu! Recebi seu adeus por intermédio de outra amiga. Antes desse momento percebi  uma energia diferente que circulava em casa, mas não soube dizer do que se tratava. Depois vim a saber que partiu, simplesmente. Não deu tempo para nos despedirmos. 

Foi uma amizade construída no tempo em que frequentávamos a Casa de Dom Inácio, em Abadiânia, Goiás. Christel buscava ajuda para seu problema. Perdeu o movimento das pernas, ainda bem jovem, durante um acidente de carro. Nos conhecemos ali e, de imediato, nos tornamos amigas. 

Nos hospedamos na mesma pensão. Christel tornou-se, assim, essa querida. Era uma pessoa amiga, risonha, divertida, com um sorriso largo; ao mesmo tempo, contida. Passamos momentos divertidos entre amigos nos momentos de descanso do trabalho de João de Deus, conversando e tomando um açaí. 

De férias, em 2012, inclui no roteiro de algumas cidades europeias, a pequena vila onde Christel morava na França, nas imediações de Marepoix, cerca de uma hora de carro de Toulouse. Passei com ela cinco dias. 

Ela dirigia. Foi me buscar com um amigo no aeroporto. Fiquei em sua casa. Conheci todas as suas amigas mais próximas. Saímos todas juntas a visitar e conhecer a região em que vivia sua família. 

Era Dia das Mães. Levou-me a visitar e conhecer sua família, onde ficamos boas horas entre o almoço e um bom papo com a mãe, tio e tia e parentes mais próximos. 

Christel partiu. Ficaram lembranças de todos os lugares em que convivemos. Das longas conversas em sua casa, da visita à casa de uma das melhores amigas, da família expandida que repartiu, algumas das quais mantenho amizade até hoje. 

Ficou a amiga. Aquela que me acolheu em todos esses lugares, que todos os anos, no inverno francês pegava sozinha um voo para a Índia onde era acolhida por uma família. Era quando esperava o frio francês passar. 

Ficaram as lembranças, com a turma de amigas em visitas variadas, desde a uma feira de livros ao castelo de Carcassone, ali perto, ao dia passado em Toulouse. Esta foto é desse registro. 

 Soube de sua partida por uma mensagem via messenger. Foi por ela que também soube anos antes que sua mãe havia partido. E, na oportunidade, tive  medo de Christel não resistir. Christel partiu. - Elle est décédé", informou-me na mensagem, Sabine, que era um de seus anjos da guarda. Faleceu no retorno de mais uma viagem à Índia. Não sei exatamente as circunstâncias. 

Foi uma notícia bem triste, daquelas que não temos como conciliar. Christel partiu!





segunda-feira, 3 de outubro de 2022

De pesquisa monográfica e estudos na biblioteca da Universidade

Teresa de Jesus Pessoa (Farias

Bonjour, 

Hoje é mais um dia que escolho o campus da UFBA para me dedicar às pesquisas sobre nossa tia-avó Teresa de Jesus Pessoa. Saí de casa cedo porque tive exames clínicos pra fazer no laboratório instalado aqui na universidade. A vida mundana tem dessas coisas. 

Passei a manhã orientada aos levantamentos históricos na Gazeta Médica da Bahia sobre a nossa tia. A busca hoje rendeu bons frutos. Cheguei cedo e encontrei a sala de estudos - que é coletiva e quase sempre barulhenta - de boa, hoje! 

Pouca gente se direcionou para a sala, que fica no primeiro andar da Biblioteca Central. Tem sempre grupos de estudantes em torno de mesas e em saletas ali instaladas, que cabem quatro ou cinco. E, de frente pra uma das paredes, uma carreira de mesas convivendo no mesmo ambiente frequentado pelos estudantes que se reúnem em grupos. Então, já viu. Nem sempre estudar significa estar concentrado. 

Hoje foi diferente. Eu penso que deva ser resquício das eleições, com muita gente tendo viajado, a Universidade está mais vazia. 

Nessa sala dei continuidade ao levantamento iniciado semana passada, nessa direção, de, em um formigueiro, encontrar algum resquício, alguma folha caída, algum rastro que nos leve ao percurso de nossa tia na Faculdade de Medicina da Bahia, em sua trajetória como parteira diplomada.

Mas, se ainda não foi possível nesse ponto encontrar um só registro sobre ela, aproveito para me deter no que consigo: dentre os objetivos no momento é entender o funcionamento do próprio sistema de formação da Universidade, implantada no Brasil em 1832, na Bahia e no Rio de Janeiro, sendo a Faculdade de Medicina da Bahia, a primeira, do Brasil. 

Hoje realizei uma boa colheita nas páginas da Gazeta. Com registros desde o final dos anos 1880 até 1910, por aí. Tratando da formação de parteiras pela Faculdade, pacotes nos quais se inclui nossa tia. Houve muitos regulamentos. E estou prestando atenção no que é relevante para o trabalho de levantar a passagem de nossa tia por esses espaços, bancos e regimento da atividade de parteira, que esteve sempre em mudança. 

Esse ponto tem me levado a compreender as transformações dessa formação. Mulheres como nossa tia são personagens que desbravaram esse Brasil, em busca de estabilidade em uma carreira difícil. Ela se estabeleceu viajando por Ilhéus, Feira de Santana e Alagoinhas, onde clinicou como parteira, ao mesmo tempo em que criava filhos e tomava conta da família, instalada em Salvador: nossa mãe, irmãs, sobrinhos. Era o cabeça da casa, praticamente. 

Muitas vezes me pego pensando como minha vida deu voltas, até que me vi envolta nesse objetivo de escrever uma monografia sobre uma tia-avó negra, que se dedicou a assistir a partos em um cenário da primeira metade do século XX, na qual a Bahia e o Brasil passavam por transformações econômicas, sociais e culturais impressionantes. Salvador, essa grande metrópole, com problemas sanitários, doenças, pobreza. Desafios que não passaram despercebidos. 

O objetivo agora é entender um pouco de tudo isso. Especialmente o foco de verificar como se dá essa trajetória de alguém nascida em Salvador no fim do século XIX ou início do século XX. Que tinha uma personalidade forte, desbravadora, que fazia os seus corres cuidando das dores de partos de muitas mulheres em centros urbanos e fazendas de cacau na região de Ilhéus. Que ali casou com um fazendeiro rico e branco, por isso mesmo deserdado. E com quem teve dois filhos. E cuja história de aparadora de meninos, como se diz no Nordeste, ainda está por ser revelada. 

E é sobre esse ser importante que me concentro. Não sei dizer porque a vida me escolheu. Mas, eu a escolhi, talvez pelo fato de nossa mãe ter passado a vida nos dizendo o quanto essa figura cuidou, formou e transformou a sua realidade. Promoveu seus estudos, sua formação e sua consciência de mulher independente, que podia escolher seu destino como professora primária do estado, a qual se tornou. Naquele momento, décadas de 1940/50, esse detalhe já era transformador, face ao que sabemos que as mulheres foram talhadas para serem apenas "do lar".  Sorte nossa! 

À tout à l'heur! 

M. 


quinta-feira, 8 de setembro de 2022

De aventuras, alegrias e saudades: Feliz aniversário, tia Marlene!


Bonjour, 

Hoje seria o aniversário de seus 87 anos. Nossa tia Marlene Moreira Damaceno nos deixou no último mês de maio, depois de 15 dias internada em consequência de um câncer. Era um dos quatro filhos da minha avó materna, Bernadete Pessoa, que teve um filho e três filhas: Minha mãe, meus tios Milton, Marlene e a caçula, Nadir, todos nascidos em   Salvador.  

Nadir morreu acometida de tuberculose na década de 1950, quando Salvador passava por crises sanitárias. A família inteira: minha avó Bernadete, minha tia-avó Theresa - que era parteira diplomada pela Faculdade de Medicina, e o cabeça da família - seus dois filhos, Geraldo e Gildásio, além de minha tia Marlene seguiram para o Rio de Janeiro em busca de tratamento para a minha prima Nadir. E ficaram por lá. 

Apenas na Bahia permaneceram minha mãe, Nilza, que tornou-se professora primária do Estado - e residia em Alagoinhas; e o irmão, Milton, funcionário do IPASE, em Salvador, ambos já com relacionamentos encaminhados. Nadir não resistiu à doença, apesar dos esforços. Minha tia Marlene trabalhou no setor gráfico no Rio de Janeiro, onde conheceu meu tio Ananias. 

Nossa avó

Eu conheci oficialmente nossa tia Marlene por ocasião da morte de minha avó, em 1978. Eu tinha 14 anos e e na ocasião acompanhei minha mãe na viagem de ônibus até o Rio de Janeiro. Foi um episódio traumático pra mim, que fiquei com sequelas emocionais de ter encontrado nossa avó, pela primeira vez, ainda na pedra do necrotério do Hospital, à espera dos procedimentos funerários. 

Eu não tinha toda essa coragem. Nem sabia que situação iria encontrar. Mas, o que parece é que minha mãe recebera algum provável telegrama ou outro comunicado de alguma outra forma, uma vez que nessa época de baixo acesso às comunicações, não tínhamos telefone em casa. 

O fato é que encontrei nossa avó pela primeira e última vez com um fumacinho de algodão nas narinas. E aquela foi a imagem que me perturbou até hoje. A experiência me rendeu nos dias seguintes, noites em claro, dado que a morte, diretamente de algum familiar, seria a primeira vez que encararia. Não recomendo o método! 

Lembro-me que era de estatura pequena, estava com pouco peso, usava um robe branco. E eu me senti muito incomodada com a imagem final desse ser, que não cheguei a conhecer de outro modo. Ficamos por ali, minha mãe provavelmente tão surpreendida quanto eu. 

Aguardamos em algum lugar os procedimentos, a chegada do caixão, nem sei, não me recordo desse detalhe. Apenas de que seguimos para o cemitério do Caju, onde minha avó se encontra enterrada no jazigo da família. 

Visitas

Desde esse triste episódio, nossa mãe e minha tia Marlene passaram a se ver mais. Especialmente porque ao contrário de minha mãe, Nilza, que possuía temperamento mais reservado, a minha tia Marlene era uma pessoa calma, de passos macios, mas ao mesmo tempo alegre,  risonha, de bom humor, gostava de uma "beer", de acarajé, e como uma boa baiana, com seu carioquês, vivia de bem com a vida. 

Nos últimos anos vinha com regularidade a Salvador. Eu me ocupei em grande parte das vindas dela à cidade, interrompida pela pandemia. Por vezes, ajudando na dinâmica dos voos, por vezes realizando com ela os trajetos de visitas às casas do irmão Milton, no subúrbio de Paripe, e de minha mãe, quando ainda em Alagoinhas. E, nas últimas viagens, em Aracaju, onde minha mãe residiu no último período da vida até falecer em 2014. 

Mas, até esse ponto mais recente, eram minha tia Marlene e meu tio Ananias, o esposo, eles próprios que organizavam as visitas. Minha tia, sempre de bom humor, uma alegria e encantamentos com todos os lugares por onde passava. Em algumas das visitas, trouxe a neta mais velha, nossa prima, Pryscilla, a quem criou como filha. 

Tinha plena satisfação em visitar a família inúmeras vezes e um amor e uma amizade imensos por minha mãe, sua irmã, e os sobrinhos. Um deles, nosso irmão mais velho, Gute, morou com ela desde os 10 anos, no Rio de Janeiro. Retornou apenas com 26 anos, em 1977. 

Última viagem

Na última viagem, em 2012, levei-a a Aracaju para visitar nossa mãe e os sobrinhos, que residiam por lá. Fiz com ela e meu tio Ananias inúmeros passeios à praia. Minha tia adorava uma beer e ríamos muito dessa disponibilidade que ela tinha para a vida. 

Como uma boa baiana, gostava de degustar acarajé, de ir à Igreja do Bonfim, de passear pelo Centro Histórico. Em uma dessas viagens, peguei de carro a Estrada do Coco e levei-a para almoçar na Praia do Forte. Ela gostou, mas senti que preferia ainda o ar soteropolitano, que ela amava de paixão. 

Sempre íamos visitar a prima Mida, no bairro da Soledade, com quem foi criada. Minha tia adorava o cardápio baiano que a prima preparava. Minha tia Marlene teve três filhas:  Eliane, Adriana e Isabel, com meu tio Ananias, o amor da sua vida. E três netas: Pryscilla, Nadir e Giovana, e o primeiro bisneto, José. Minha tia envelheceu com a mente aberta e ativa. E com a alma cheia de vontade de se divertir e de dar risadas. 

Em uma dessas últimas viagens a Aracaju, na volta passamos em visita ao Sítio do Conde, onde residia minha irmã caçula, Virgínia. No retorno, almoçamos na linha verde. E também a levei a visitas ao meu tio Milton, em Paripe, e a meu irmão, Zé, no Caminho das Árvores, que nos recebeu com um lanche. Comemos bolo e servi a meu tio Ananias o maior pedaço. Um ou dois anos depois ele viria a falecer. 

Nossa tia Marlene, que aniversaria hoje, nos deixou no último dia 22 de maio, aos 87 anos. É uma grata alegria, um amor imenso ser sua sobrinha. Meu tio Ananias faleceu de uma pneumonia, há cerca de quatro anos. Imagino que não aguentaria partir depois dela. Um feliz aniversário, tia! Onde quer que esteja! 

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

De Elza Soares e Tia Theresa: Entre mulheres empoderadas e tia-avó na Faculdade de Medicina da Bahia

   

Bonsoir, 

Como vai você? 

Hoje passando aqui depois de um tempão. Espero que esteja bem. Quando vem a Salvador? 

Os últimos tempos a Covid-19 tem piorado no Brasil, com milhares de novos casos da variante Ômicron. Não está fácil o controle, com muitos casos diários sendo registrados. Você deve estar acompanhando. 

Por aqui seguimos com o Brasil e suas perdas. Tivemos no último dia 20/01 a partida de Elza Soares, essa cantora maravilhosa. Esse mito, que nos deixou aos 92 anos. Nossa, esse fenômeno de força e energia! 

Eu estava ligada de alguma forma no movimento dela nas redes sociais. No último aniversário, até comentei que tinha produzido uma arte para ela. E ela me disse: "Mande, mande mesmo!" Mas, Rio de Janeiro, fiquei tímida em concluir a proposta de envio de um dos meus trabalhos de arte sobre cofrinhos de argila. Vinha me inspirando na literatura feminista decolonial que estava lendo. E no tipo de resistência que eu queria expressar. Fiz colagens com Angela Davis e penso que talvez ela fosse gostar do tipo de expressão da qual ela era mestre. Enfim. Eis aí do que estava falando. 

De qualquer sorte, estamos aqui. No final do ano recebi da editora os exemplares relativos à coletânia "Sobre Nossas Avós", na qual eu participo com outros 110 autores e autoras. É uma publicação da Editora Pontes, de Campinhas, coordenada pela professora da Universidade Federal de Sergipe, Maria Aparecida Silva Ribeiro. Ficou incrível o conjunto das narrativas. De alto valor literário. Houve um pré-lançamento em dezembro, de forma virtual. Está previsto para fevereiro o lançamento oficial. 

Eu fiquei muito feliz em participar com uma crônica breve sobre nossa tia-avó Theresa. E, como você sabe, ela é a personagem principal do meu projeto de TCC no Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade. Estou prestes a defender neste semestre. Eu estou me esforçando para levantar dados sobre a nossa tia como parteira. E, confirmando sua passagem pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1912, sua trajetória vai incluir também esse marco. Estou em busca da atuação de nossa tia em Alagoinhas, aqui em Salvador, também em Feira de Santana e Ilhéus, onde ela passou boa parte do início da carreira.  

A crônica em "Sobre nossas avós" fala do meu desejo de reconstruir a trajetória de Tia Theresa, a quem eu encontrei registros em 1934, em um navio saído do Rio de Janeiro com destino a Salvador. Não sei se nossa tia desceu em Ilhéus ou veio direto para Salvador. Estava em companhia de nossos dois primos Geraldo e Gildásio e de nossa bisavó Benvinda. O objetivo agora é entender esse empoderamento em pleno século XX de uma parteira negra, desbravadora de mares.  

Deixo o link para o (a) leitor (a) que desejar adquirir o livro. Só clicar aqui -> "Sobre nossas avós"

PS: imagem Elza by wikimedia.org

À tout à l'heur 

M.





domingo, 20 de junho de 2021

De pandemia e Leon Leal: lembranças do menininho que a Covid-19 levou!

 Bonsoir, 

 Leonzinho. 

Estamos às vésperas do São João. Os festejos por aqui somente virtualmente. Mas, dado o movimento das vendas nessa pandemia, acredito que ainda assim os festejos serão bons para muita gente. Você sabe, ontem batemos a casa dos mais de 500 mil mortos pela COVID-19. Que coisa, hein? Quanta tristeza! 

Não sei se você soube que nosso querido Leon Leal, sobrinho de Gal, como se fosse nosso, partiu esses dias! Ele pegou a Covid e foi internado no Rio Grande do Norte para onde tinha acabado de se mudar pelo banco!  Fiquei arrasada com essa notícia! Foi enterrado em Jequié, onde nasceu! 

Mas, a vida como é? Reencontrei Leon depois de muitos anos só recentemente. É como se ele quisesse se despedir de mim! Estávamos ainda na pandemia. E há coisa de uns três meses começamos a nos falar mais frequentemente. Gal era quem intermediava as conversas pelo zap. E eu ia acompanhando um pouco o que ia acontecendo com eles. 

Um dia lá, fiz uma declaração de quanto eu amava aquele menininho que eu havia conhecido e cuidado. E como ele tinha sido valente. Ele tinha uns quatro, cinco anos, talvez. E um dia eu tinha dormido na casa dele. E quando me dei conta, tinha encontrado aquele toquinho de gente escalando um armário para preparar o próprio café da manhã. 

A mãe sempre deixava as coisas ali por cima, meio que prontas pra ele. Nesse dia, era ele quem se ocupava de escalar aquele armário alto pra alcançar algo que gostaria. Não me lembro bem se era biscoito ou coisa do gênero. Mas, a cena dele se virando sozinho, sem ajuda de ninguém, me escandalizou! Nunca esqueci porque aquela cena não tinha sido a única. E achei aquele menininho loirinho muito valente. A mãe tinha viajado e eu estava com ele e Liginha, a irmã. Desde então, aquelas lembranças me marcaram profundamente, tal a valentia daquele garotinho, que agora a Covid levou!

Eu imaginei qualquer coisa quando Gal me informara que ele havia sido internado. Rezei muito. E ele chegou a melhorar. A esposa de Leo, uma guerreira. Forte! Era quem dava notícia no zap. E eu recebia. Até informar que ele teria que passar por uma traqueostomia, pois tinha pego uma infecção. E o tratamento agora passava por essa nova etapa. Ele já estava entubado. Teve um ataque cardíaco durante o novo procedimento. Morreu no último dia 15/06! 

Eu tive algum sinal porque, ao contrário dos dias anteriores, eu parecia não encontrar mais a luz dele enquanto fazia minhas orações! E depois Gal foi ficando mais nervosa. Sugeri que ela procurasse um posto médico por causa da diabetes. Nos dias seguintes ela me disse pra informar a Zé que Leon estava internado! E, não demorou muito, veio a notícia de que ela havia partido. 

Olha, inacreditável como a vida se organiza. Eu fiquei grata que tivesse podido de alguma forma me despedir dele ainda em vida! E me reencontrar com aquele menino pequenininho que em pouco tempo iria partir. Era feliz, alegre, estava casado e com um filho de 20 anos. E, antes do banco, trabalhara como radialista na 93 FM, em Jequié! 

Outro dia lembrei de que, com nossa mãe foi um pouco assim. Percebi que, além de mim, que já estava lá, os filhos (Gute, Cezar) também já estavam próximos dela. E foi um pouco assim nos dias da partida. Uns três meses antes, todo mundo foi se chegando em torno dela, em Aracaju! E, na véspera da partida, Gute resolveu vir a Salvador. Como se Deus providenciasse a presença dos mais fortes! Creio que talvez tenha sido isso que eu tivesse que fazer quando passei o ano de 2014 por lá! Só posso entender dessa forma! 

É isso aí! Eu desejo que esteja tudo bem com você. E que possa me dar notícias quando possível! Quando vem a Salvador?

À tout à l'heur! 

M. 

#LeonLeal #Covid-19 #Pandemia #Jequié #NossoMenininho



quinta-feira, 8 de abril de 2021

De Covid-19, Big Brother Brasil e alienação das massas

 


                                                                                                                                                            


Bonjour,

Hoje lembrei-me de você. É que desde a sua última visita, acredito que não tenha tido tempo de limpar sua caixa de e-mails. E as mensagens que te envio têm retornado. Estando em outro país e envolta em pesquisas acadêmicas, creio que o volume de demandas pessoais realmente aumenta. E nem sempre conseguimos equalizar nossos times. Quando vier à cidade, passe aqui para tomarmos um café. No último domingo foi aniversário de nossas irmãs caçulas. A mais nova tem melhorado pouco, desde sua última visita. 

Ouvi notícias pela TV sobre o fim do lock down em Portugal, depois de três meses de fechamento completo do país. Isso é realmente um alívio. Aqui no Brasil a situação continua cada vez mais crítica. Com a completa falta de infra-estrutura para acolhimento, seja em forma de leitos, equipamentos, profissionais, e mesmo remédios, acredita?! Há ameaça até de insumos básicos para entubação, o que coloca em risco os procedimentos e as operações de assistência às pessoas com COVID-19. 

O problema tem agravado os dados no país. Nessas duas últimas semanas os indicadores da média de novos casos estacionou, mas as mortes continuam crescendo. O que podemos concluir que as pessoas continuam morrendo por falta de assistência e leitos porque os hospitais estão congestionados e as equipes, exaustas. Os dados demonstram que não há leitos e os indicadores de mortes diárias ontem chegaram a 3.700 pessoas/dia! Mas, um dos mais respeitados cientistas, Dr Miguel Nicolelis, que presidiu o consórcio Nordeste, já havia afirmado que esses dados tendem a piorar, com a expectativa de que se chegue  a  6 mil mortes/dia.

Não está sendo fácil esse controle. O ritmo da vacinação continua lento. Menos de 3% dos brasileiros receberam a segunda dose até a data de hoje. E cerca de 10% receberam a primeira dose. Com esse ritmo, não chegaremos ao fim de 2021 com a população vacinada. Ainda enfrentamos problemas com a entrega de insumos dos chineses à Butantã para a fabricação de vacinas. E o governo não consegue comprar vacinas em número suficiente para vacinar toda a população. Aqui, além de todos os problemas,  o governo está abrindo mão, mais uma vez, via Congresso, da sua responsabilidade de gerir o controle e a distribuição das vacinas, ao permitir que empresas privadas negociem diretamente com laboratórios e se responsabilizem por vacinar empregados e outros grupos de interesse. Agora, pergunta-se, com essa diluição, qual controle dar-se-á a essas vacinas? 

Eu fico orgulhosa de te ver aí debruçada sobre uma pesquisa acadêmica cujo objeto é a COVID-19. Tenho certeza que nos trará ótimo retrato dessa crise e ótimas reflexões sobre ela, a partir de Portugal. Como você sabe, a presença de mulheres pretas na ciência ainda é pequena e pouco reconhecida. Mas, seu trabalho desde sempre tem sido de muito envolvimento e de ótimas contribuições ao desenvolvimento científico, desde a UFRJ.  

Por aqui a situação também está crítica em relação aos dados, pois muitas pessoas continuam morrendo em função da pandemia. Há um desespero por parte de parcelas da população, que, sem renda, lutam pela reabertura de atividades econômicas; outras 40% vivem hoje abaixo da linha da pobreza. As situações de negacionismo são evidentes; de falta de consciência e inclusive de muita aglomeração. Prefeitura tem flexibilizado de tempos em tempos e as mortes têm sido inevitáveis. 

No mais, por aqui, a única coisa que tem funcionado direito é o Big Brother Brasil. Em sua função de divertssiment alienante. Um grande negócio executado à noite, pela manhã, agora com um programa que repercute o programa também pela tarde. E segue a peleja. Lendo Saviani*, ele nos reporta a Gramsci que afirma não poder o proletariado "erigir-se em força hegemônica sem a elevação do nível cultural das massas". Destacando, segundo o próprio Saviani lembra, "a importância fundamental da Educação" nesse processo. Ah, os pretos e pretas foram dos primeiros a sair. 

À tout à l'heur! 

M. 

*SAVIANI, Dermeval. Educação: Do senso comum à consciência filosófica. Campinas: Autores Associados, 18a ed. revista, 2009, p. 4. 


sábado, 3 de abril de 2021

De Semana Santa, tradições familiares e memórias afetivas

 


Bonjour, 

Estamos na Semana Santa, época em que eu me lembro perfeitamente de casa. Da infância, da nossa cultura baiana. E, especialmente, dos afazeres que tínhamos em casa quando nossos pais eram vivos.  Tivemos a sorte de ter uma família unida. E de termos pais afetos à cultura e tradições baianas. 

E isso me faz lembrar com frequência que éramos dados a comemorar cada data importante, fosse o Carnaval, fosse o São João, fosse o Natal e fosse mesmo a Semana Santa. Dado que nossa mãe era soteropolitana e a família dela tradicionalmente católica - nossa bisavó Bemvinda morreu aos 102 anos após passar mal durante uma missa no Rio de Janeiro, assim contava nossa mãe - a tradição de preparar caruru e vatapá e toda a comida baiana era arte de minha mãe - e nossa. 

Eu infelizmente não aprendi a cozinhar tão bem quanto ela, aprendi pouco porque nossa mãe não nos introduziu nessas artes. Mas, o pouco que sei aprendi com ela, de ver, olhar, e apreciar o tempero delicioso. Que cozinhava muito bem. Aos domingos sempre tínhamos comidinhas para uma família inteira em torno da mesa. Era muito comum um cardápio em fins de semana com cozido, pirão, verduras, tudo delicioso, que D. Nilza preparava.         

E havia sábados, dia de feira, em que nosso pai trazia caranguejos que nossa mãe punha na panela grande, ainda vivos, em água quente. E eu pequena, semi-adolescente, uns 12 anos, ficava imaginando aqueles bichos vivos, sendo cozidos nessa condição. Morria de pena. Eles arranhavam aquele caldeirão de alumínio, grande. E tentavam escapar, sem sucesso! Esse desespero desaparecia à mesa assim que encontrávamos aqueles caranguejos apetitosos, prontos para serem servidos. Nosso pai era aquela figura mansa, e sempre correto, "parceiro", como era conhecido. Educado, falava baixo, nunca levantava a voz. Mas, era rígido nos limites.  

Ele era o criador. Inventava coisas. Adorava ler as revistas Ted que você amava. Ia sempre a Feira de Santana repor mercadorias. Mas, quando retornava, dificilmente deixava de trazer doces para suas crianças. Assim era no seu dia a dia: inventivo. Adorava festas, alegria, tinha sempre um litro de gim sobre a peça móvel da sala; ouvia os próprios discos e as próprias peças em seu repertório; adorava festas populares. O São João era a sua preferida, o Natal também. Estava sempre criando artes para nos reunir. Mas, um reunir silencioso. Nós fazíamos, ele estava ali, como peça-chave! 

Quando éramos crianças - meus irmãos já adultos - ele adorava trazer para casa caças diversas, como teiu. Era hábito entre os pequenos comerciantes, como ele, da Rua Carlos Gomes,  no Centro de Alagoinhas, onde crescemos. Tinha nos arredores meu tio Valter Schefler, sempre por perto, e Anália, dona de um bar,  e o vizinho, um protérico chamado China. Os dois filhos deles, você lembra, eram meus melhores amigos, junto com Marivalda, neta da dona da pensão, situada à direita da nossa casa.  

Eu não sei como são as suas lembranças daquele período, se ainda estão vivas. Nessa casa, sempre que chovia forte, a rua transbordava. E a água de enxurrada invadia a nossa casa. As crianças menores, eu e nossas duas irmãs, descíamos, navegando água abaixo porque a casa tinha um declive, com pequenos degraus. E a água vinha como enxurrada. Era uma vez ou outra que isso acontecia. A cidade nem chove tanto assim porque fica no Agreste. Mas, sempre uma festa para nós, crianças! 

Em épocas como agora, a nossa mãe era a própria tradição. E quando fomos crescendo, a ajudávamos, indo na feira, e em casa, a preparar os ingredientes. O fazer, maravilhoso, era de nossa mãe mesmo. Era o momento em que a família se reunia quase inteira. Todos os seus filhos, filhas, netos, noras e genros. Isso demorou um pouco, só lá pra meus 20 anos. 

Hoje, sentimos que as tradições não são apenas tradições: são nossa cultura, nossa memória, nossa  maneira de ser, de viver em família. A Semana Santa tinha esse conforto, esse cuidado de estarmos em família, celebrando, bebendo um vinho vendido em garrafões. Fazendo aquele barulho de casa cheia, de muitas vozes celebrando, contando causos em voz alta, dando risadas. Saboreando a tradição que nossa mãe - e nosso pai - faziam questão de manter. Seja no caruru, seja no vatapá. E o acarajé, que não era muito comum encontrar-se à venda na cidade, de vez em quando em que a presenteávamos com um exemplar, era sempre uma festa! Uma das iguarias que mais nossa mãe amava! Hoje, na pandemia, em casa, só resta agradecer à festa da vida que só foi possível graças aos nossos antepassados. 

       À tout à l'heur! 

    M.


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De amiga que se vai e das lembranças que ficam: meu adeus a Christel

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