Bonjour,
Hoje lembrei-me de você. É que desde a sua última visita, acredito que não tenha tido tempo de limpar sua caixa de e-mails. E as mensagens que te envio têm retornado. Estando em outro país e envolta em pesquisas acadêmicas, creio que o volume de demandas pessoais realmente aumenta. E nem sempre conseguimos equalizar nossos times. Quando vier à cidade, passe aqui para tomarmos um café. No último domingo foi aniversário de nossas irmãs caçulas. A mais nova tem melhorado pouco, desde sua última visita.
Ouvi notícias pela TV sobre o fim do lock down em Portugal, depois de três meses de fechamento completo do país. Isso é realmente um alívio. Aqui no Brasil a situação continua cada vez mais crítica. Com a completa falta de infra-estrutura para acolhimento, seja em forma de leitos, equipamentos, profissionais, e mesmo remédios, acredita?! Há ameaça até de insumos básicos para entubação, o que coloca em risco os procedimentos e as operações de assistência às pessoas com COVID-19.
O problema tem agravado os dados no país. Nessas duas últimas semanas os indicadores da média de novos casos estacionou, mas as mortes continuam crescendo. O que podemos concluir que as pessoas continuam morrendo por falta de assistência e leitos porque os hospitais estão congestionados e as equipes, exaustas. Os dados demonstram que não há leitos e os indicadores de mortes diárias ontem chegaram a 3.700 pessoas/dia! Mas, um dos mais respeitados cientistas, Dr Miguel Nicolelis, que presidiu o consórcio Nordeste, já havia afirmado que esses dados tendem a piorar, com a expectativa de que se chegue a 6 mil mortes/dia.
Não está sendo fácil esse controle. O ritmo da vacinação continua lento. Menos de 3% dos brasileiros receberam a segunda dose até a data de hoje. E cerca de 10% receberam a primeira dose. Com esse ritmo, não chegaremos ao fim de 2021 com a população vacinada. Ainda enfrentamos problemas com a entrega de insumos dos chineses à Butantã para a fabricação de vacinas. E o governo não consegue comprar vacinas em número suficiente para vacinar toda a população. Aqui, além de todos os problemas, o governo está abrindo mão, mais uma vez, via Congresso, da sua responsabilidade de gerir o controle e a distribuição das vacinas, ao permitir que empresas privadas negociem diretamente com laboratórios e se responsabilizem por vacinar empregados e outros grupos de interesse. Agora, pergunta-se, com essa diluição, qual controle dar-se-á a essas vacinas?
Eu fico orgulhosa de te ver aí debruçada sobre uma pesquisa acadêmica cujo objeto é a COVID-19. Tenho certeza que nos trará ótimo retrato dessa crise e ótimas reflexões sobre ela, a partir de Portugal. Como você sabe, a presença de mulheres pretas na ciência ainda é pequena e pouco reconhecida. Mas, seu trabalho desde sempre tem sido de muito envolvimento e de ótimas contribuições ao desenvolvimento científico, desde a UFRJ.
Por aqui a situação também está crítica em relação aos dados, pois muitas pessoas continuam morrendo em função da pandemia. Há um desespero por parte de parcelas da população, que, sem renda, lutam pela reabertura de atividades econômicas; outras 40% vivem hoje abaixo da linha da pobreza. As situações de negacionismo são evidentes; de falta de consciência e inclusive de muita aglomeração. Prefeitura tem flexibilizado de tempos em tempos e as mortes têm sido inevitáveis.
No mais, por aqui, a única coisa que tem funcionado direito é o Big Brother Brasil. Em sua função de divertssiment alienante. Um grande negócio executado à noite, pela manhã, agora com um programa que repercute o programa também pela tarde. E segue a peleja. Lendo Saviani*, ele nos reporta a Gramsci que afirma não poder o proletariado "erigir-se em força hegemônica sem a elevação do nível cultural das massas". Destacando, segundo o próprio Saviani lembra, "a importância fundamental da Educação" nesse processo. Ah, os pretos e pretas foram dos primeiros a sair.
À tout à l'heur!
M.
*SAVIANI, Dermeval. Educação: Do senso comum à consciência filosófica. Campinas: Autores Associados, 18a ed. revista, 2009, p. 4.