segunda-feira, 3 de outubro de 2022

De pesquisa monográfica e estudos na biblioteca da Universidade

Teresa de Jesus Pessoa (Farias

Bonjour, 

Hoje é mais um dia que escolho o campus da UFBA para me dedicar às pesquisas sobre nossa tia-avó Teresa de Jesus Pessoa. Saí de casa cedo porque tive exames clínicos pra fazer no laboratório instalado aqui na universidade. A vida mundana tem dessas coisas. 

Passei a manhã orientada aos levantamentos históricos na Gazeta Médica da Bahia sobre a nossa tia. A busca hoje rendeu bons frutos. Cheguei cedo e encontrei a sala de estudos - que é coletiva e quase sempre barulhenta - de boa, hoje! 

Pouca gente se direcionou para a sala, que fica no primeiro andar da Biblioteca Central. Tem sempre grupos de estudantes em torno de mesas e em saletas ali instaladas, que cabem quatro ou cinco. E, de frente pra uma das paredes, uma carreira de mesas convivendo no mesmo ambiente frequentado pelos estudantes que se reúnem em grupos. Então, já viu. Nem sempre estudar significa estar concentrado. 

Hoje foi diferente. Eu penso que deva ser resquício das eleições, com muita gente tendo viajado, a Universidade está mais vazia. 

Nessa sala dei continuidade ao levantamento iniciado semana passada, nessa direção, de, em um formigueiro, encontrar algum resquício, alguma folha caída, algum rastro que nos leve ao percurso de nossa tia na Faculdade de Medicina da Bahia, em sua trajetória como parteira diplomada.

Mas, se ainda não foi possível nesse ponto encontrar um só registro sobre ela, aproveito para me deter no que consigo: dentre os objetivos no momento é entender o funcionamento do próprio sistema de formação da Universidade, implantada no Brasil em 1832, na Bahia e no Rio de Janeiro, sendo a Faculdade de Medicina da Bahia, a primeira, do Brasil. 

Hoje realizei uma boa colheita nas páginas da Gazeta. Com registros desde o final dos anos 1880 até 1910, por aí. Tratando da formação de parteiras pela Faculdade, pacotes nos quais se inclui nossa tia. Houve muitos regulamentos. E estou prestando atenção no que é relevante para o trabalho de levantar a passagem de nossa tia por esses espaços, bancos e regimento da atividade de parteira, que esteve sempre em mudança. 

Esse ponto tem me levado a compreender as transformações dessa formação. Mulheres como nossa tia são personagens que desbravaram esse Brasil, em busca de estabilidade em uma carreira difícil. Ela se estabeleceu viajando por Ilhéus, Feira de Santana e Alagoinhas, onde clinicou como parteira, ao mesmo tempo em que criava filhos e tomava conta da família, instalada em Salvador: nossa mãe, irmãs, sobrinhos. Era o cabeça da casa, praticamente. 

Muitas vezes me pego pensando como minha vida deu voltas, até que me vi envolta nesse objetivo de escrever uma monografia sobre uma tia-avó negra, que se dedicou a assistir a partos em um cenário da primeira metade do século XX, na qual a Bahia e o Brasil passavam por transformações econômicas, sociais e culturais impressionantes. Salvador, essa grande metrópole, com problemas sanitários, doenças, pobreza. Desafios que não passaram despercebidos. 

O objetivo agora é entender um pouco de tudo isso. Especialmente o foco de verificar como se dá essa trajetória de alguém nascida em Salvador no fim do século XIX ou início do século XX. Que tinha uma personalidade forte, desbravadora, que fazia os seus corres cuidando das dores de partos de muitas mulheres em centros urbanos e fazendas de cacau na região de Ilhéus. Que ali casou com um fazendeiro rico e branco, por isso mesmo deserdado. E com quem teve dois filhos. E cuja história de aparadora de meninos, como se diz no Nordeste, ainda está por ser revelada. 

E é sobre esse ser importante que me concentro. Não sei dizer porque a vida me escolheu. Mas, eu a escolhi, talvez pelo fato de nossa mãe ter passado a vida nos dizendo o quanto essa figura cuidou, formou e transformou a sua realidade. Promoveu seus estudos, sua formação e sua consciência de mulher independente, que podia escolher seu destino como professora primária do estado, a qual se tornou. Naquele momento, décadas de 1940/50, esse detalhe já era transformador, face ao que sabemos que as mulheres foram talhadas para serem apenas "do lar".  Sorte nossa! 

À tout à l'heur! 

M. 


quinta-feira, 8 de setembro de 2022

De aventuras, alegrias e saudades: Feliz aniversário, tia Marlene!


Bonjour, 

Hoje seria o aniversário de seus 87 anos. Nossa tia Marlene Moreira Damaceno nos deixou no último mês de maio, depois de 15 dias internada em consequência de um câncer. Era um dos quatro filhos da minha avó materna, Bernadete Pessoa, que teve um filho e três filhas: Minha mãe, meus tios Milton, Marlene e a caçula, Nadir, todos nascidos em   Salvador.  

Nadir morreu acometida de tuberculose na década de 1950, quando Salvador passava por crises sanitárias. A família inteira: minha avó Bernadete, minha tia-avó Theresa - que era parteira diplomada pela Faculdade de Medicina, e o cabeça da família - seus dois filhos, Geraldo e Gildásio, além de minha tia Marlene seguiram para o Rio de Janeiro em busca de tratamento para a minha prima Nadir. E ficaram por lá. 

Apenas na Bahia permaneceram minha mãe, Nilza, que tornou-se professora primária do Estado - e residia em Alagoinhas; e o irmão, Milton, funcionário do IPASE, em Salvador, ambos já com relacionamentos encaminhados. Nadir não resistiu à doença, apesar dos esforços. Minha tia Marlene trabalhou no setor gráfico no Rio de Janeiro, onde conheceu meu tio Ananias. 

Nossa avó

Eu conheci oficialmente nossa tia Marlene por ocasião da morte de minha avó, em 1978. Eu tinha 14 anos e e na ocasião acompanhei minha mãe na viagem de ônibus até o Rio de Janeiro. Foi um episódio traumático pra mim, que fiquei com sequelas emocionais de ter encontrado nossa avó, pela primeira vez, ainda na pedra do necrotério do Hospital, à espera dos procedimentos funerários. 

Eu não tinha toda essa coragem. Nem sabia que situação iria encontrar. Mas, o que parece é que minha mãe recebera algum provável telegrama ou outro comunicado de alguma outra forma, uma vez que nessa época de baixo acesso às comunicações, não tínhamos telefone em casa. 

O fato é que encontrei nossa avó pela primeira e última vez com um fumacinho de algodão nas narinas. E aquela foi a imagem que me perturbou até hoje. A experiência me rendeu nos dias seguintes, noites em claro, dado que a morte, diretamente de algum familiar, seria a primeira vez que encararia. Não recomendo o método! 

Lembro-me que era de estatura pequena, estava com pouco peso, usava um robe branco. E eu me senti muito incomodada com a imagem final desse ser, que não cheguei a conhecer de outro modo. Ficamos por ali, minha mãe provavelmente tão surpreendida quanto eu. 

Aguardamos em algum lugar os procedimentos, a chegada do caixão, nem sei, não me recordo desse detalhe. Apenas de que seguimos para o cemitério do Caju, onde minha avó se encontra enterrada no jazigo da família. 

Visitas

Desde esse triste episódio, nossa mãe e minha tia Marlene passaram a se ver mais. Especialmente porque ao contrário de minha mãe, Nilza, que possuía temperamento mais reservado, a minha tia Marlene era uma pessoa calma, de passos macios, mas ao mesmo tempo alegre,  risonha, de bom humor, gostava de uma "beer", de acarajé, e como uma boa baiana, com seu carioquês, vivia de bem com a vida. 

Nos últimos anos vinha com regularidade a Salvador. Eu me ocupei em grande parte das vindas dela à cidade, interrompida pela pandemia. Por vezes, ajudando na dinâmica dos voos, por vezes realizando com ela os trajetos de visitas às casas do irmão Milton, no subúrbio de Paripe, e de minha mãe, quando ainda em Alagoinhas. E, nas últimas viagens, em Aracaju, onde minha mãe residiu no último período da vida até falecer em 2014. 

Mas, até esse ponto mais recente, eram minha tia Marlene e meu tio Ananias, o esposo, eles próprios que organizavam as visitas. Minha tia, sempre de bom humor, uma alegria e encantamentos com todos os lugares por onde passava. Em algumas das visitas, trouxe a neta mais velha, nossa prima, Pryscilla, a quem criou como filha. 

Tinha plena satisfação em visitar a família inúmeras vezes e um amor e uma amizade imensos por minha mãe, sua irmã, e os sobrinhos. Um deles, nosso irmão mais velho, Gute, morou com ela desde os 10 anos, no Rio de Janeiro. Retornou apenas com 26 anos, em 1977. 

Última viagem

Na última viagem, em 2012, levei-a a Aracaju para visitar nossa mãe e os sobrinhos, que residiam por lá. Fiz com ela e meu tio Ananias inúmeros passeios à praia. Minha tia adorava uma beer e ríamos muito dessa disponibilidade que ela tinha para a vida. 

Como uma boa baiana, gostava de degustar acarajé, de ir à Igreja do Bonfim, de passear pelo Centro Histórico. Em uma dessas viagens, peguei de carro a Estrada do Coco e levei-a para almoçar na Praia do Forte. Ela gostou, mas senti que preferia ainda o ar soteropolitano, que ela amava de paixão. 

Sempre íamos visitar a prima Mida, no bairro da Soledade, com quem foi criada. Minha tia adorava o cardápio baiano que a prima preparava. Minha tia Marlene teve três filhas:  Eliane, Adriana e Isabel, com meu tio Ananias, o amor da sua vida. E três netas: Pryscilla, Nadir e Giovana, e o primeiro bisneto, José. Minha tia envelheceu com a mente aberta e ativa. E com a alma cheia de vontade de se divertir e de dar risadas. 

Em uma dessas últimas viagens a Aracaju, na volta passamos em visita ao Sítio do Conde, onde residia minha irmã caçula, Virgínia. No retorno, almoçamos na linha verde. E também a levei a visitas ao meu tio Milton, em Paripe, e a meu irmão, Zé, no Caminho das Árvores, que nos recebeu com um lanche. Comemos bolo e servi a meu tio Ananias o maior pedaço. Um ou dois anos depois ele viria a falecer. 

Nossa tia Marlene, que aniversaria hoje, nos deixou no último dia 22 de maio, aos 87 anos. É uma grata alegria, um amor imenso ser sua sobrinha. Meu tio Ananias faleceu de uma pneumonia, há cerca de quatro anos. Imagino que não aguentaria partir depois dela. Um feliz aniversário, tia! Onde quer que esteja! 

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

De Elza Soares e Tia Theresa: Entre mulheres empoderadas e tia-avó na Faculdade de Medicina da Bahia

   

Bonsoir, 

Como vai você? 

Hoje passando aqui depois de um tempão. Espero que esteja bem. Quando vem a Salvador? 

Os últimos tempos a Covid-19 tem piorado no Brasil, com milhares de novos casos da variante Ômicron. Não está fácil o controle, com muitos casos diários sendo registrados. Você deve estar acompanhando. 

Por aqui seguimos com o Brasil e suas perdas. Tivemos no último dia 20/01 a partida de Elza Soares, essa cantora maravilhosa. Esse mito, que nos deixou aos 92 anos. Nossa, esse fenômeno de força e energia! 

Eu estava ligada de alguma forma no movimento dela nas redes sociais. No último aniversário, até comentei que tinha produzido uma arte para ela. E ela me disse: "Mande, mande mesmo!" Mas, Rio de Janeiro, fiquei tímida em concluir a proposta de envio de um dos meus trabalhos de arte sobre cofrinhos de argila. Vinha me inspirando na literatura feminista decolonial que estava lendo. E no tipo de resistência que eu queria expressar. Fiz colagens com Angela Davis e penso que talvez ela fosse gostar do tipo de expressão da qual ela era mestre. Enfim. Eis aí do que estava falando. 

De qualquer sorte, estamos aqui. No final do ano recebi da editora os exemplares relativos à coletânia "Sobre Nossas Avós", na qual eu participo com outros 110 autores e autoras. É uma publicação da Editora Pontes, de Campinhas, coordenada pela professora da Universidade Federal de Sergipe, Maria Aparecida Silva Ribeiro. Ficou incrível o conjunto das narrativas. De alto valor literário. Houve um pré-lançamento em dezembro, de forma virtual. Está previsto para fevereiro o lançamento oficial. 

Eu fiquei muito feliz em participar com uma crônica breve sobre nossa tia-avó Theresa. E, como você sabe, ela é a personagem principal do meu projeto de TCC no Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade. Estou prestes a defender neste semestre. Eu estou me esforçando para levantar dados sobre a nossa tia como parteira. E, confirmando sua passagem pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1912, sua trajetória vai incluir também esse marco. Estou em busca da atuação de nossa tia em Alagoinhas, aqui em Salvador, também em Feira de Santana e Ilhéus, onde ela passou boa parte do início da carreira.  

A crônica em "Sobre nossas avós" fala do meu desejo de reconstruir a trajetória de Tia Theresa, a quem eu encontrei registros em 1934, em um navio saído do Rio de Janeiro com destino a Salvador. Não sei se nossa tia desceu em Ilhéus ou veio direto para Salvador. Estava em companhia de nossos dois primos Geraldo e Gildásio e de nossa bisavó Benvinda. O objetivo agora é entender esse empoderamento em pleno século XX de uma parteira negra, desbravadora de mares.  

Deixo o link para o (a) leitor (a) que desejar adquirir o livro. Só clicar aqui -> "Sobre nossas avós"

PS: imagem Elza by wikimedia.org

À tout à l'heur 

M.





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